Nancy O'Donnell de Nova York
Ativista dos Direitos Humanos descobre a "verdadeira justiça" através de uma experiência de vida.
Nancy O'Donnell para Living City Fevereiro 2010
O amor é forte o suficiente para ser a causa determinante da justiça?
Uma ativista dos direitos civis encontra respostas e o sentido para sua vida.Quando criança, eu era uma defensora impetuosa dos oprimidos. Aos seis anos, algumas crianças do quarteirão vizinho fizeram piadas sobre a namorada do meu irmão, que era surdo e não podia falar. Eu estava tão irritada que, quando eles voltaram, peguei um bastão e bati neles. Foi um golpe leve, mas que causou bastante dor nas pernas dos meninos. Eles escaparam correndo e nunca mais voltaram.
Percebo agora que tanto a minha fé quanto o meu senso de justiça foram fomentados em mim através do exemplo e da crença dos meus pais. Morávamos em uma cidade pequena, mas não havia nada de "cidade pequena" na mentalidade deles. Às vezes nós discordávamos, mas eles sempre me incentivaram a pensar criticamente sobre o mundo ao meu redor.
Na década de 60, o movimento dos direitos civis proporcionou-me a arena certa para a minha luta por justiça. No meu primeiro ano de faculdade, um grupo de estudantes viajava para Birmingham (Alabama) para uma marcha de protesto, quando, após um ataque particularmente brutal da polícia, um ministro foi morto. A Irmã De Lellis, decana dos estudantes, viajou comigo e com outro estudante da nossa faculdade.
A longa viagem de ônibus foi seguida de um dia em que tentamos nos organizar com centenas de jovens. Havia muita confusão sobre quem estava no comando ou que tipo de autoridade tínhamos. No dia da marcha, nos disseram que estivéssemos muito atentos ao nosso grupo, caso a polícia atacasse. O rali começou, e depois de um tempo tudo parou de se mover. O canto também parou.
Eu estava na parte de trás da marcha, e a um certo ponto me virei e vi uma linha de policiais a cavalo, bloqueando a estrada atrás de nós. Comecei a ouvir gritos que vinham da parte da frente da multidão, enquanto os cavaleiros atacavam por trás.
Aconteceu tão rápido que eu me vi separada dos manifestantes, com um policial a cavalo bem atrás de mim, balançando seu cassetete. Correndo, virei-me para olhá-lo. O seu rosto estava distorcido de tanta raiva e ódio. Ele balançou o cassetete, com o objetivo de acertar a minha cabeça. Eu me abaixei, sentindo parte do seu cassetete quase no meu cabelo. Enquanto se preparava para atacar mais uma vez, alguém me agarrou e me puxou de volta para a multidão, que tinha começado a marchar de volta à sede. Ele nos seguiu por vários quarteirões. Sentia como se o cavalo respirasse próximo ao meu pescoço, mas ele não tentou me atacar novamente.
Quando nos reagrupamos, a polícia em motocicletas bloqueou a rua para impedir-nos de sair. A Irmã De Lellis queria ir a um convento próximo para receber a Comunhão, e eu me ofereci para ir com ela. Foi estranho sentir-me menos protegida no bairro branco do que eu me sentia no bairro negro, mas quando entrei na pequena capela do convento experimentei um momento de paz no meio de todo aquele tumulto.
Mais tarde naquela noite, o Rev. Martin Luther King Jr. chegou. Com o seu carro passou no meio da multidão, e a irmã De Lellis e eu nos aproximamos. Dr. King pegou a minha mão e me agradeceu por ter vindo. Eu fiquei sem palavras. O contraste entre o amor que eu vi nos olhos dele e do ódio que eu tinha visto naquele dia mais cedo, deixou uma marca indelével na minha alma.
Essa marca desencadeou também uma crise dentro de mim. O amor era forte o suficiente para ser a causa determinante da verdadeira justiça que eu buscava?
A resposta de Deus veio alguns meses depois, durante um retiro na minha faculdade, quando um grupo dos Focolares chegou ao campus no outono de 1966. Eu fiquei afascinada por estes homens e mulheres e especialmente intrigada quando falaram de Chiara Lubich. Algumas coisas ficaram muito claras: temos que amar todos (até mesmo aquele policial); o sofrimento tem o seu valor; precisamos agir, não falar; e não precisamos ser muitos para ter Jesus em meio a nós.
Eu coloquei em prática o que entendi. Um dia, a minha colega de quarto me olhou e disse: "Eu sinto que esta não vai ser apenas outra das tuas causas".
Eu tinha muitos planos para minha vida. Depois de ouvir que a maior necessidade de enfermeiros era no campo da psiquiatria, decidi especializar-me nesta área, e eventualmente em psicologia. Eu tinha um namorado e a esperança de que nos casássemos. Onde é que Deus se encaixava? Eu tinha dito sinceramente a Deus: "Se você quiser vir junto, enquanto eu busco os meus objetivos, tudo bem. Caso contrário, eu vou ter que te deixar para trás”. Eu tentei com dificuldade esquecer os Focolares, e fui educada, mas evasiva, quando eles me ligaram.
Após a formatura, eu me mudei para Nova York para a pós-graduação. A comunidade dos Focolares agora estava bem perto e eles me ligaram quase imediatamente, convidando-me para jantar. Fiquei até muito tarde e eles se ofereceram para me levar para casa. Quando chegamos, a minha colega de quarto tinha acabado de entrar, bêbada. Quando olhei para ela - que poderia ter sido eu - senti o doloroso contraste entre a minha vida e a experiência que eu tinha feito naquela noite. Não consegui dormir.
Mergulhei nos meus estudos, no meu trabalho, com uma organização estudantil no âmbito da ONU, nos meus ideais. No entanto, durante esse período aceitei os convites dos Focolares. Concordei em ir a uma Mariápolis de Verão por 5 dias para ajudar com o programa das crianças. Lá, algo me incomodava, e foi ficando cada vez mais difícil ignorá-lo.
Um dia fiquei um pouco mais na capela. Senti como se minha alma estivesse sendo puxada em duas direções opostas. Na verdade, era a minha vontade que lutava com a de Deus. De um lado estavam todos os meus objetivos de vida. Do outro, senti um chamado de Deus. E desta vez eu disse "sim". Logo depois me encontrei dizendo a uma focolarina que talvez eu também quisesse ser uma. Ela respondeu me dando um abraço.
Nunca vou esquecer a alegria que experimentei naquele momento. Tudo parecia claro e brilhante. Eu sabia exatamente o que fazer e aonde Deus queria que eu fosse. Eu sabia que o Seu amor poderia transformar qualquer forma de ódio e é a fonte da verdadeira justiça.